segunda-feira, 31 de maio de 2010

União Européia - O Tratado de Lisboa

O Tratado de Lisboa entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009, pondo assim termo a vários anos de negociações sobre questões institucionais.
O Tratado de Lisboa altera, sem os substituir, os tratados da União Europeia e da Comunidade Europeia actualmente em vigor. O Tratado confere à União o quadro jurídico e os instrumentos necessários para fazer face a desafios futuros e responder às expectativas dos cidadãos.

1 – Uma Europa mais democrática e transparente, com um papel reforçado para o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais, mais oportunidades para que os cidadãos façam ouvir a sua voz e uma definição mais clara de quem faz o quê aos níveis europeu e nacional.
Um papel reforçado para o Parlamento Europeu: o Parlamento Europeu, directamente eleito pelos cidadãos da União Europeia, dispõe de novos poderes importantes no que se refere à legislação e ao orçamento da União Europeia, bem como aos acordos internacionais. Em especial, em relação à maior parte da legislação da União Europeia, o recurso mais frequente à co-decisão no processo de decisão política coloca o Parlamento Europeu em pé de igualdade com o Conselho.
Uma maior participação dos parlamentos nacionais: os parlamentos nacionais têm mais oportunidades de participar no trabalho da União, nomeadamente graças a um novo mecanismo que lhes permite assegurar que a União só intervenha nos casos em que a sua intervenção permita obter melhores resultados do que uma intervenção a nível nacional (subsidiariedade). Em conjunto com o maior peso do Parlamento Europeu, a participação dos parlamentos nacionais reforçará a democracia e conferirá uma legitimidade acrescida ao funcionamento da União.
Uma voz mais forte para os cidadãos: um grupo de, pelo menos, um milhão de cidadãos de um número significativo de Estados-Membros pode solicitar à Comissão que apresente novas propostas políticas.
Quem faz o quê: uma classificação mais precisa das competências permite uma maior clarificação da relação entre os Estados-Membros e a União Europeia.
Saída da União: pela primeira vez, o Tratado de Lisboa reconhece explicitamente a possibilidade de um Estado Membro sair da União.

2 – Uma Europa mais eficiente, com regras de votação e métodos de trabalho simplificados, instituições modernas e um funcionamento mais racional adaptados a uma União Europeia com 27 Estados-Membros e maior capacidade de intervenção nas áreas prioritárias de hoje.
Maior eficiência no processo de tomada de decisão: a votação por maioria qualificada no Conselho é alargada a novas áreas políticas para acelerar o processo de tomada de decisão e reforçar a sua eficiência. A partir de 2014, o cálculo da maioria qualificada basear-se-á numa dupla maioria de Estados-Membros e de população, representando assim a dupla legitimidade da União. Para ser aprovada por dupla maioria, uma decisão deve receber o voto favorável de 55 % dos Estados-Membros representando, pelo menos, 65 % da população da União.
Um quadro institucional mais estável e simplificado: o Tratado de Lisboa cria a função de Presidente do Conselho Europeu, com um mandato de dois anos e meio; introduz uma relação directa entre a eleição do Presidente da Comissão e os resultados das eleições europeias; prevê novas disposições para a futura composição do Parlamento Europeu e introduz regras mais claras no que se refere ao reforço da cooperação e às disposições financeiras.
Uma vida melhor para os europeus:o Tratado de Lisboa dá mais poderes aos cidadãos da União Europeia para intervirem em várias áreas políticas de grande importância, por exemplo, na área da liberdade, segurança e justiça, com destaque para o combate ao terrorismo e à criminalidade. São igualmente abrangidas outras áreas como a política energética, a saúde pública, a protecção civil, as alterações climáticas, os serviços de interesse geral, a investigação, o espaço, a coesão territorial, a política comercial, a ajuda humanitária, o desporto, o turismo e a cooperação administrativa.

3 – Uma Europa de direitos e valores, liberdade, solidariedade e segurança, com a defesa dos valores da União, a introdução da Carta dos Direitos Fundamentais no direito primário europeu, a criação de novos mecanismos de solidariedade e a garantia de uma melhor protecção para os cidadãos europeus.
Valores democráticos: o Tratado de Lisboa especifica e reforça os valores e objectivos que orientam a União. Além de serem uma referência para os cidadãos europeus, estes valores mostram ao resto do mundo o que a Europa tem para oferecer.
Os direitos dos cidadãos e a Carta dos Direitos Fundamentais: o Tratado de Lisboa consagra direitos existentes e cria novos direitos. Em especial, garante as liberdades e os princípios estabelecidos na Carta dos Direitos Fundamentais e confere um carácter juridicamente vinculativo às suas disposições. Consagra os direitos civis, políticos, económicos e sociais.
Liberdades dos cidadãos europeus: o Tratado de Lisboa protege e reforça as «quatro liberdades» e a liberdade política, económica e social dos cidadãos europeus.
Solidariedade entre Estados-Membros: o Tratado de Lisboa prevê que a União e os seus Estados-Membros ajam em conjunto, num espírito de solidariedade, se um Estado-Membro for vítima de um atentado terrorista ou de uma catástrofe natural ou provocada pela acção humana. É igualmente posta em destaque a solidariedade no domínio da energia.
Mais segurança para todos: a União tem agora mais capacidade para intervir nas áreas da liberdade, segurança e justiça e, por conseguinte, para lutar contra o crime e o terrorismo. As novas disposições em termos de protecção civil, ajuda humanitária e saúde pública têm igualmente como objectivo reforçar a capacidade de reacção da União em caso de ameaça contra a segurança dos cidadãos europeus.

4 – A Europa assume maior protagonismo na cena mundial através da articulação dos diferentes instrumentos de política externa da União, tanto na elaboração como na adopção de novas políticas. O Tratado de Lisboa permite à Europa assumir uma posição clara nas relações com os seus parceiros e tirar maior partido das suas vantagens económicas, humanitárias, políticas e diplomáticas a fim de promover os interesses e valores europeus em todo o mundo, no respeito pelos interesses individuais dos Estados-Membros em matéria de política externa.
A criação do novo cargo de Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e Vice Presidente da Comissão reforçará o impacto, a coerência e a visibilidade da acção externa da União Europeia.
Um novo serviço europeu para a acção externa apoiará o Alto Representante.
O facto de a União passar a ter uma personalidade jurídica única reforçará o seu poder de negociação, contribuindo para o aumento da sua influência na cena mundial e tornando-a mais visível para os outros países e as organizações internacionais.
No que se refere à política europeia de segurança e defesa, o Tratado prevê disposições especiais para a tomada de decisão e prepara o caminho para uma cooperação reforçada no âmbito de um pequeno grupo de Estados-Membros.

Fonte: Europa – O portal da União Europeia (disponível em: http://europa.eu/lisbon_treaty/glance/index_pt.htm)

sábado, 22 de maio de 2010

A era João Goulart

Os principais fatos do governo que antecederam o Golpe de 1964

João Goulart (Jango) assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961, sob o regime parlamentarista, e governou até o Golpe de 64, em 1º de abril. Seu mandato foi marcado pelo confronto entre diferentes políticas econômicas para o Brasil, conflitos sociais e greves urbanas e rurais. Seu governo é usualmente dividido em duas fases: Fase Parlamentarista (da posse em 1961 a janeiro de 1963) e a Fase Presidencialista (de janeiro de 1963 ao Golpe em 1964).

Plebiscito - O parlamentarismo foi derrubado em janeiro de 1963: em plebiscito nacional, 80% dos eleitores optaram pela restauração do presidencialismo. Enquanto durou, o parlamentarismo teve três primeiros-ministros, entre eles, Tancredo Neves, que renunciou para candidatar-se ao governo de Minas Gerais.

Conquistas Trabalhistas - Em 1961 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e o Pacto de Unidade e Ação, de caráter intersindical, convocaram uma greve reivindicando melhoria das condições de trabalho e a formação de um ministério nacionalista e democrático. Foi esse movimento que conquistou o 13º salário para os trabalhadores urbanos. Os trabalhadores rurais realizaram, no mesmo ano, o 1º Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O Congresso exigiu reforma agrária e CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) para os trabalhadores rurais. Em 62, com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, muitas ligas camponesas se transformaram em sindicatos rurais.

Plano Trienal - João Goulart realizou um governo contraditório. Procurou estreitar as alianças com o movimento sindical e setores nacional-reformistas, mas paralelamente tentou programar uma política de estabilização baseada na contenção salarial. Seu Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado pelo ministro do Planejamento Celso Furtado, tinha por objetivo manter as taxas de crescimento da economia e reduzir a inflação. Essas condições, exigidas pelo FMI, seriam indispensáveis para a obtenção de novos empréstimos, para a renegociação da dívida externa e para a elevação do nível de investimento.

Reformas de Base - O Plano Trienal também determinou a realização das chamadas reformas de base: reforma agrária, fiscal, educacional, bancária e eleitoral. Para o governo, elas eram necessárias ao desenvolvimento de um "capitalismo nacional" e "progressista".
O anúncio dessas reformas aumentou a oposição ao governo e acentuou a polarização da sociedade brasileira. Jango perdeu rapidamente suas bases na burguesia. Para evitar o isolamento, reforçou as alianças com as correntes reformistas: aproximou-se de Leonel Brizola, então deputado federal pela Guanabara, de Miguel Arraes, governador de Pernambuco, da UNE (União Nacional dos Estudantes) e do Partido Comunista, que, embora na ilegalidade, mantinha forte atuação nos movimentos popular e sindical. O Plano Trienal foi abandonado em meados de 1963, mas o Presidente continuou a implementar medidas de caráter nacionalista: limitou a remessa de capital para o exterior, nacionalizou empresas de comunicação e decidiu rever as concessões para exploração de minérios. As retaliações estrangeiras foram rápidas: governo e empresas privadas norte-americanas cortaram o crédito para o Brasil e interromperam a negociação da dívida externa.

Agitação no Congresso - No Congresso se formaram a Frente Parlamentar Nacionalista, em apoio a Jango, e a Ação Democrática Parlamentar, que recebia ajuda financeira do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (I.B.A.D.), instituição mantida pela Embaixada dos Estados Unidos. Crescia a agitação política. A polarização entre esquerda e direita foi-se recrudescendo. Na "esquerda", junto a Jango, estavam organizações como a UNE, a CGT e as Ligas Camponesas; no campo oposto, na "direita", encontravam-se o IPES, o IBAD e a TFP (Tradição, Família e Propriedade).
A crise se precipitou no dia 13 de março, em razão da realização de um grande comício em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Perante 300 mil pessoas Jango decretou a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e desapropriou, para a reforma agrária, propriedades às margens de ferrovias, rodovias e zonas de irrigação de açudes públicos. Paralelamente a tudo isso, cumpre assinalar que a economia encontrava-se extremamente desordenada.

Apoio ao Golpe - Em 19 de março foi realizada, em São Paulo, a maior mobilização contra o governo: a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", organizada por grupos da direita, com influência dos setores conservadores da Igreja Católica. A manifestação, que reuniu cerca de 400 mil pessoas, forneceu o apoio político para derrubar o Presidente. No dia 31 de março, iniciou-se o verdadeiro movimento para o golpe. No mesmo dia, tropas mineiras sob o comando do general Mourão Filho marcharam em direção ao Rio de Janeiro e a Brasília. Depois de muita expectativa, os golpistas conseguiram a adesão do comandante do 2º Exército, General Amaury Kruel. Jango estava no Rio quando recebeu o manifesto do General Mourão Filho exigindo sua renúncia. No dia 1º de abril pela manhã, parte para Brasília na tentativa de controlar a situação. Ao perceber que não conta com nenhum dispositivo militar e nem com o apoio armado dos grupos que o sustentavam, abandona a capital e segue para Porto Alegre.
Nesse mesmo dia, ainda com Jango no país, o Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República. Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados ocupou o cargo interinamente. Exilado no Uruguai, Jango participou da articulação da Frente Ampla, um movimento da Redemocratização do país, junto a Juscelino e a seu ex-inimigo político, Carlos Lacerda. Mas a Frente não logrou êxito. João Goulart morreu na Argentina em 1976.

Fonte: Universia – disponível em http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=3160 – acessado em 20/5/2010.

NAFTA


ALCA

Vida artificial

terça-feira, 18 de maio de 2010

Mais dados sobre países:

De oásis a deserto - por Juliette Jowit

É difícil imaginar por que os seres humanos teriam escolhido o árido e pedregoso deserto de Wadi Faynan para seu primeiro assentamento. Mas a água teria sido um motivo importante, diz o arqueólogo Steven Mithen. Quando os homens e as mulheres neolíticos chegaram, 11,5 mil anos atrás, as coisas eram muito diferentes. O clima era mais fresco e úmido, a paisagem, coberta de vegetação, incluindo figos, legumes e cereais, e teria havido cabras selvagens para comer.
Inicialmente, o WF16, como é chamado hoje, seria um acampamento temporário. Mas Mithen, professor de pré-história na Universidade de Reading, e seu colega arqueólogo Bill Finlayson acreditam que, gradualmente, as pessoas passaram a ficar mais tempo. Peneirando evidências tão antigas, os arqueólogos não podem ter certeza, mas restos de alimentos de diferentes temporadas e a escala das pilhas de “detritos” sugerem que cerca de 10 mil anos atrás os habitantes do lugar pararam de se mudar. Se eles estiverem certos, este sítio seria um dos mais antigos já encontrados onde os humanos fizeram um assentamento permanente, aprenderam a praticar a agricultura e mudaram o rumo da civilização humana. Mas a pequena comunidade, atraída pela água, que trouxe ondas sucessivas de colonos, acabaria destruindo o recurso que possibilitava a vida. Um padrão que se repete há milênios em todo o mundo, e hoje nos ameaça em escala global.
Primeiro as pessoas cortaram as árvores para fazer abrigos e usar como combustível, até que a chuva lavou o solo em vez de se infiltrar nos aqüíferos rasos, e as nascentes secaram. Tão longe quanto a Idade do Bronze, pelo menos, os agricultores iniciaram a obsessão da humanidade por desviar água para as plantações, para alimentar a população crescente. Enquanto isso, o clima úmido e fresco que incentivou os primeiros assentamentos tornava-se naturalmente mais seco e quente.
Ao menos duas vezes, os historiadores acreditam, Wadi Faynan foi abandonado. Na primeira, possivelmente por causa de uma mudança acentuada do clima, e mais tarde porque ficou poluído demais. Hoje, os beduínos que sobrevivem no vale enfiaram canos no leito seco do rio para sugar o que restou da nascente e irrigar os campos de tomates que arrancam do solo seco. Mas está ficando mais difícil. Segundo a lenda local, hoje as boas chuvas ocorrem a intervalos de mais de dois anos.
Os agricultores de Wadi Faynan não são os únicos. Assim como outras comunidades em todo o mundo, eles estão pagando o preço por milhares de anos de exploração do meio ambiente. Um bilhão de pessoas já não têm água limpa suficiente para beber, e 2 bilhões não contam com água adequada para beber, limpar e comer. A escassez é a causa de muitas crises mundiais graves: milhões de mortes por ano por doenças e desnutrição, fome crônica, mantendo as crianças longe das escolas, que são a esperança de uma vida melhor. São principalmente os pobres que sofrem com isso, mas cada vez mais países ricos também enfrentam dificuldades.
A Austrália sofreu tantos anos de seca que um importante climatologista disse que está na hora de parar de dizer “afetado pela seca” e aceitar que a falta de chuva é permanente.
Em partes dos EUA, as reservas são tão vulneráveis que no outono passado a Cruz Vermelha entregou pacotes de água à cidade de Orme, no Tennessee. “Eu pensei: ‘Não pode ser a Cruz Vermelha! Somos americanos! ’”, disse a moradora Susan Anderson a um repórter. Na Califórnia, alguns agricultores abandonaram suas plantações neste ano, quando o governador Arnold Schwarzenegger declarou a primeira seca estadual generalizada em dezessete anos. Enquanto isso, Barcelona estava tão desesperada que começou a importar navios-tanque de água das cidades do litoral.
O Instituto Internacional da Água, em Estocolmo, fala em “uma aguda e devastadora crise humanitária”. O fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, adverte sobre uma “tempestade perfeita”. Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, levantou o espectro de “guerras por água”. E, conforme a população cresce e enriquece, e o aquecimento global modifica o clima, os especialistas estão avisando que, a menos que se faça alguma coisa, outros bilhões de pessoas vão sofrer escassez de água, precipitando a fome, doenças, migração e, em última instância, conflitos.
Em uma aposta para evitar essa catástrofe, políticos, economistas e engenheiros estão pressionando por mudanças drásticas na maneira de administrar a água, desde o plantio de árvores e simples poços de armazenamento até esquemas de bilhões de dólares para reequipar o planeta com barragens e tubulações, ou fabricar água doce com os esgotos e o mar.
A crise da água é uma expressão da catástrofe ambiental da superexploração humana. Esta é a era que o Prêmio Nobel de Química Paul Crutzen chamou de “Antropoceno”, porque o sistema natural foi fundamentalmente modificado pela atividade humana. E tudo começou quando as pessoas se assentaram e começaram a cortar madeira e plantar.
“O início das comunidades sedentárias é o início da necessidade de administrar os suprimentos de água doce”, diz Mithen. “Este é o ponto inicial de todo o nosso dilema moderno. Passou de uma preocupação dos assentamentos individuais para cidades e países, e hoje é uma questão global.”
Teoricamente, há água suficiente na Terra para sustentar seus 6,5 bilhões de habitantes. Mais de 97% de toda a água do planeta é salgada, e a maior parte da água doce está presa nas camadas de gelo da Antártida e da Groenlândia. Mas isso ainda deixa 10 milhões de quilômetros cúbicos de água potável, circulando em ciclos de evaporação e precipitação entre a atmosfera e a Terra, onde aparece em aqüíferos subterrâneos, lagos e rios, geleiras, bancos de neve, em charcos, no permafrost e no solo. Cada quilômetro cúbico equivale a 1 trilhão de litros, ou 1 bilhão de toneladas de água, aproximadamente o débito anual do rio Nilo.
Do outro lado da equação, a ONU diz que os indivíduos precisam de 5 litros de água por dia, simplesmente para sobreviver em um clima moderado, e de ao menos 50 litros diários para beber e cozinhar, tomar banho e usar em saneamento. A indústria responde aproximadamente pelo dobro do uso doméstico. Mas a agricultura precisa de muito, muito mais. Na verdade, 90% de toda a água usada pelos seres humanos. A água não se “perde” na terra, mas o exagero de abstração dos irrigadores significa que muitas vezes ela é desviada de onde é mais necessária. Tony Allan, do King’s College, em Londres, estima que, juntos, 6,5 bilhões de indivíduos precisam de 8 mil quilômetros cúbicos de água por ano, uma fração do que está teoricamente disponível. “Certamente há água suficiente para todo mundo no planeta, mas com freqüência está nos lugares errados, nas horas erradas. nas quantidades erradas”, diz Marq de Villiers, autor do livro Água, de 2001.
Três horas ao norte de Wadi Faynan fica o muito mais verde Wadi Esseir, onde Salah Al-Mherat e sua família são um dos milhões de lares da Jordânia que sentem diariamente os efeitos de viver em um dos países mais secos da Terra. Uma vez por semana, Al-Mherat recebe água da cooperativa de irrigação local para seus pés de figo, limão, azeitona, romã e legumes. Para o resto, ele conta com a chuva. Mas desde a década de 1990 as nascentes vêm secando, esgotadas pela demanda da capital vizinha, Amã, e a chuva tem diminuído.
Em uma manhã quente de abril, Al-Mherat volta da colheita de ervilhas, veste seu roupão e se acomoda sobre uma pilha de almofadas. Revolvendo um bule com chá perfumado, ele explica que as plantações hoje mal cobrem os custos. Ele tem de trabalhar como guarda de segurança para complementar a renda. “Quando eu comecei era muito bom, comparado com hoje”, diz. “O primeiro impacto foi que o tamanho da área irrigada diminuiu. As pessoas também mudaram o que elas plantavam, por isso hoje a água vai principalmente para árvores.” Al-Mherat diz que ele continua esperando que as coisas melhorem, porque vai passar a terra para seus filhos. “É a minha vida”, diz. “Mas, apesar de eu ser positivo, a realidade é que é como o desejo do diabo de ir para o paraíso.”
A população global, o desenvolvimento econômico e um crescente apetite por proteína de carne, laticínios e peixes aumentaram a demanda humana por água seis vezes em 50 anos. Enquanto isso, as reservas diminuíram de várias maneiras: cerca de 845 mil represas bloqueiam a maioria dos rios do mundo, privando as comunidades ribeirinhas de água e sedimentos e aumentando a evaporação. Até metade da água se perde em vazamentos. Mais de 1 bilhão de pessoas simplesmente não têm uma infra-estrutura adequada e a água que resta é muitas vezes poluída por produtos químicos e metais pesados de fazendas e indústrias, acusadas pela ONU de envenenar mais de 100 milhões de seres humanos. E, além disso, as chuvas estão ficando menos previsíveis em muitas regiões.
Por trás desses problemas há um paradoxo. Porque a água, e o movimento da água, é essencial para a vida e central para muitas religiões, ela é tradicionalmente considerada um bem “comum”. Mas nenhum indivíduo é responsável por ela. De Wadi Esseir ao árido Meio-Oeste americano, os agricultores ou não pagam pela água ou apenas uma fração do que os proprietários de residências, por isso eles têm menos interesse em conservá-la e poderiam impedir os fornecedores de verbas de melhorar a infra-estrutura.
A ONU define “escassez de água” como menos de mil metros cúbicos de água limpa renovável por pessoa por dia para beber, lavar, plantar alimentos e conduzir empresas. Por essa medida, metade da população mundial vive em países que sofrem escassez de água. A Jordânia é um dos com mais escassez do mundo, com uma média de apenas 160 metros cúbicos de água renovável por pessoa por ano.
O resultado é que nem só os agricultores são racionados. A família Al-Mherat, como o resto da Grande Amã, só recebe água em casa um dia por semana. Uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes funciona ao ritmo do “dia da água”, diz a doutora Khadija Darmame, que faz parte de um projeto de 2 milhões de dólares organizado por Mithen e patrocinado pela Fundação Leverhulme, da Grã-Bretanha, para estudar as relações entre “água, vida e civilização” na Jordânia, desde os mais antigos assentamentos até a época moderna.
Os pobres suprimentos e os tanques estagnados ocasionalmente provocam infecções. Mas em geral o problema é o trabalho rotineiro. “A primeira coisa a fazer é lavar o máximo de roupa e então limpar a casa”, diz Darmame. As crianças e os homens tomam banho, “por último as mulheres, e depois você precisa de algumas horas para encher as caixas”, empilhadas sobre todos os tetos.
Para milhões de outros, a falta de suprimento é uma questão de vida e morte. A falta de água potável e para saneamento é amplamente responsável pela morte de 11 milhões de crianças com menos de 5 anos por doenças e desnutrição por ano, por cerca de 1 bilhão de pessoas que têm fome crônica, e 2 bilhões que sofrem o que a Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), da ONU, chama de “insegurança alimentar”, porque elas não têm alimento e nutrição adequados para uma “vida ativa e saudável”. E por manter mais de 60 milhões de meninas fora da escola. Essas pessoas são apanhadas em uma armadilha de água e pobreza: dois terços das pessoas que não têm água suficiente para as necessidades básicas vivem com menos de 2 dólares por dia. “A variação da disponibilidade de água é forte e negativamente relacionada à renda per capita”, diz o professor Jeffrey Sachs, autor de Common Wealth: Economics for a crowded planet (Riqueza Comum: Economia para um planeta superpovoado) e assessor especial do secretário-geral da ONU. A saúde frágil, a falta de educação e a fome tornam difícil escapar.
Em última instância, a falta de água é vista como uma ameaça à paz. Do genocídio em Darfur (Sudão) a disputas entre estados na Índia e nos EUA, Ban Ki-moon é um dos vários líderes globais que fizeram advertências sobre novas disputas legais e armadas por causa da água. Intuitivamente, é óbvio que as pessoas vão lutar por seu recurso mais precioso, mas até agora poucos conflitos eclodiram. A idéia de “guerras da água” dominou a imaginação pública em 2001, quando o livro de Marq de Villiers com esse título foi publicado no Reino Unido, mas o autor discordou da escolha do título pela editora. De Villiers concorda que a água é muitas vezes uma causa subjacente de tensão, mas só identificou uma “guerra” da água, entre o Egito e o Sudão. “Você não pode passar sem água, então quando há escassez os países cooperam e fazem compromissos”, ele diz.
Mas, se metade da população mundial vive em países com poucas reservas de água, como tantos, desde os “cestos de pão” da Ásia às cidades enormes do árido Oeste americano, continuam irrigando os campos e abastecendo as redes de distribuição?
O motivo é que “a água corre morro acima para o dinheiro”, como diz o ditado. Assim, a população do Kuwait, rico em petróleo, goza de uma cara dessalinização, enquanto os palestinos sofrem dificuldades diárias. Os turistas em Amã podem abrir a torneira a qualquer momento, enquanto os que estão nas áreas pobres da cidade só têm acesso à água durante algumas horas por semana. Como diz Tony Allan: “A escassez de água não representa sérios problemas para os jardineiros em Hampshire ou os donos de residências com piscinas na Califórnia”.
Revendo a história da luta da humanidade para obter água suficiente, a experiência sugere que a iniciativa que permitiu que os humanos se assentassem, plantassem e dominassem o planeta vai fornecer muitas soluções. Mas às vezes pode ser necessário aceitar a derrota. “De um lado você pode ver essa incrível engenhosidade tecnológica dos humanos, que durante toda a pré-história e a história constantemente inventaram novas maneiras de administrar o suprimento de água”, diz Mithen. “De outro, a história do passado nos diz que, às vezes, por mais brilhantes que sejam as invenções tecnológicas, simplesmente não são boas o suficiente e você tem períodos de abandono de paisagens. Precisamos estar preparados para investir em tecnologia, mas também para reconhecer em algumas partes do mundo que há áreas onde vamos ter de dizer ‘já basta’.”

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quarta-feira, 5 de maio de 2010